Conversa de Pai e Mãe, por Paulo Martins


Quero começar  essa nossa  conversa com alguns tópicos propostos na semana anterior como:
- A família estava preparada pra enfrentar o impacto dessa pandemia quanto ao isolamento social ou quarentena?
- Os filhos estão conhecendo melhor os pais e estes aos filhos?
- A escola veio pra sua casa e você está sabendo lidar com isso?
- Pós-pandemia a família sairá mais fortalecida, mais unida? Ou os espinhos ficarão mais aguçados?

Para refletirmos sobre estas questões convido vocês a conhecerem a história de uma família que também precisou ficar em quarentena devido ao caos no seu entorno. Estou falando da saga de Noé. Tome comigo o texto bíblico de Gênesis, capítulo 6.
O Senhor Deus viu que havia crescido muito a maldade das pessoas na terra (v. 5). Então, Deus encontra Noé, homem justo e íntegro que  tinha  três filhos: Sem, Cam e Jafé (v.10).
Deus disse a Noé “estabelecerei minha aliança contigo. Entra na arca com teus filhos, tua mulher e as mulheres de teus filhos" (v.18) . O Senhor disse ainda a Noé que tomasse de todos animais e colocasse também na arca. E quando Noé entrou na arca, um dilúvio inundou toda a terra. Choveu sobre a terra quarenta dias (Cap. 7,12). A narrativa continua até o capítulo 9 de Gênesis.

Mas vamos refletir sobre as entrelinhas do que o texto não diz: com certeza vivenciaram esta “quarentena”. Pois bem, vamos aplicar aqui as perguntas acima:
- A família de Noé estava preparada pra enfrentar o impacto do dilúvio  quanto ao isolamento social ou quarentena?
Se nos colocarmos no lugar deles, vamos perceber que, assim como nossa família, eles descobriram ou melhor dizendo, não tiveram como esconder determinados costumes ou manias que não dava pra perceber antes. Assim como os recém casados têm que adequar regras para as coisas cotidianas como lugar da roupa suja é o cesto e não o chão; a tampa no tubo de pasta fechado, a tampa do vaso sanitário levantada; a louça como tarefa de todos, enfim..., assim também não foi diferente com Noé e sua família. Imaginem: quem ficaria com o cuidado da alimentação e higiene dos animais também confinados? Devia ser um empurra, empurra... porque ninguém queria fazer essa tarefa...

Outra questão: - Os filhos de Noé passaram a conhecer melhor os pais e estes aos filhos?
Confinados num espaço relativamente pequeno como a arca, (como nossa casa), o que passava despercebido agora está à flor da pele. Será que todos os filhos concordavam com a postura de Noé? Como era o temperamento deles? Começa a aflorar os queixumes, as imposições, quem faz o quê? Como distribuir tarefas? Será que havia concordância?
Não podemos nos esquecer que neste confinamento estava a esposa de Noé com três noras. Será que não havia invejas? Qual seria a privilegiada com a sogra? A queridinha? O filho queridinho?

Outra questão: - Pós-dilúvio  a família de Noé sairá mais fortalecida, mais unida? Ou os espinhos ficarão mais aguçados?
Temos aqui uma questão importante. E quero ilustrar esse acontecimento no interior da arca com a comparação da lagarta e da borboleta.
Se a lagarta resistir ao novo que é ser borboleta e insistir em ser lagarta, ou seja, ser a mesma de antes e não aceitar a mudança , não se deixar transformar, ela estará fadada à morte ou, podemos dizer, a perder o sentido da verdadeira vida que é ser borboleta. Este é o risco que todos corremos se passarmos pelo nosso tempo de “quarentena” ou de reclusão em nossa ‘‘arca” sem nos deixarmos ser transformados. O silêncio do casulo para a lagarta é tão necessário, pois ali acontece todo o processo de metamorfose. E veremos, então, uma linda borboleta.
Assim, podemos entender que o que aconteceu com a família de Noé, pode acontecer conosco. Esse processo pode ser um paradigma. Não temos uma resposta pronta. Mas, ao ceder à transformação, veremos coisas maravilhosas acontecendo.
E, aqui, não me refiro apenas à metamorfose que significa uma mudança de forma, mas  a uma metanóia, ou seja, uma mudança de mentalidade, portanto de comportamento; refiro-me ao que, na fé, chamamos de conversão.

Mas vamos à última questão, pois  troquei a sequência de propósito, para entendermos o que pode e deve acontecer no “interior” da arca, do casulo, de nossos lares...
- A escola veio pra dentro da “arca” e eles souberam lidar com isso?
Vamos entender a escola aqui como o lugar do aprendizado que, até então, estava situado fora fisicamente, ou seja, em outro  espaço territorial. E, agora, está dentro, próximo, até demais, argumentariam alguns. Mas qual o ganho?  Ou qual a perda?
Voltando à arca onde estavam confinados Noé e sua família, o processo educativo não foi tanto o saber, mas o conviver, o respeitar os limites emocionais- físicos – até mesmo culturais daquele grupo. Tiveram que abrir mão de interesses pessoais para que prevalecesse o bem comum. No caso, o foco está em nossos filhos: eles são os mais frágeis, eles, agora, estão no centro das atenções. Eles serão pacientes, se formos pacientes. Eles serão amorosos, se formos amorosos. Eles serão pessoas de oração, se verem em nós essa busca pela oração.
A promessa dada a Noé é também a que chega a todos que estão confinados, ou no casulo: ao saírem da arca, Deus abençoou Noé e seus filhos, dando a mesma benção primeira ao criar o homem em Gênesis 1,28. Ele repete a benção dizendo:  “Sede fecundos e multiplicai-vos e povoai a terra ...’’  (Genesis 9,7).
Homens novos para uma terra nova! É isto que aprenderemos, se formos dóceis à vontade do Senhor.  Saiamos do casulo como borboletas: belas, dóceis, amáveis e simples.
Deus seja louvado!

Na próxima semana vamos aprofundar sobre o comportamento das crianças no período da quarentena. Até a semana que vem, se o bom Deus assim o permitir.